Quando o bom senso pede que regras sejam quebradas

A vida em condomínio é baseada em regras de convivência que devem ser seguidas e fiscalizadas afim de que haja harmonia entre direitos e deveres de todos que fazem parte do coletivo


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Imagine como seria possível a coexistência entre pessoas diferentes dividindo espaços comuns se não houvesse as regras para nortear as condutas e todos fizessem o que bem entendessem?

A convivência não seria viável nesses termos. No entanto, assim como qualquer ordenamento jurídico, a letra no papel nem sempre é garantia de que é o certo a fazer. Às vezes é preciso interpretar os fatos dentro dos contextos específicos em que eles se apresentam. E é sobre isso que iremos falar nesse texto: quando o bom senso pede que regras sejam quebradas.

O FATO – Para ilustrar esse debate, trazemos a história da funcionária pública Ana Tereza Baêta Camponizzi, 59 anos, a qual ganhou os noticiários por ter ganhado na Justiça o direito de ser ajudada pelos porteiros do seu prédio a descer uma rampa íngreme. Ana é cadeirante há 37 anos e mora sozinha em um residencial na cidade mineira de Juiz de Fora (MG) e precisa usar a rampa para sair da garagem e acessar os elevadores de seu prédio.

Com a alegação de que os porteiros não podem se ausentar de seus postos de trabalho e a questão da moradora era de “natureza íntima”, o condomínio aprovou em assembleia a proibição do auxílio, fato esse que levou Ana Camponizzi a recorrer à Justiça, onde ganhou em três instâncias o direito de ser indenizada em R$ 46 mil.

O condomínio também recebeu a ordem para instalar o mais rapidamente possível uma plataforma elevatória para que qualquer morador com alguma limitação possa ter acesso aos elevadores do prédio. A decisão da Justiça considerou que o condomínio “violou o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República”.

LEGITIMIDADE – O caso é um exemplo de quando a falta sensibilidade gera um conflito o qual é, desnecessariamente, levado à Justiça, o que não precisaria ser feito se houvesse bom senso. Inúmeras vezes ressaltamos a importância da atividade dos porteiros e vigilantes e como é fundamental que não sofram distrações durante o exercício do seu trabalho. Contudo, conforme já foi dito, cada situação deve ser analisada à luz de um contexto. E, assim, é possível se justificar que algumas regras sejam legitimamente violadas. O síndico, em seu papel de gestor do condomínio, deve ter a sensibilidade de julgar isso, abrindo apenas as concessões que merecem ser abertas, seja em relação à ajuda dos porteiros em algum momento ou qualquer outra situação que exija isso.

 

 

Dano moral contra condômino

Em 2014, O juiz da 14ª Vara Cível de Campo Grande, Fábio Possik Salamene, julgou procedente a ação movida pelo síndico de um condomínio (F.I.W) contra um morador, condenado ao pagamento de indenização por danos morais arbitrados em R$ 14.480,00, equivalentes a 20 salários mínimos


 

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Aduz o síndico que, em 13 de junho de 2011, estava na portaria do edifício com duas pessoas, quando foi ofendido pelo réu com palavras de baixo calão e também sofreu ameaças. No entanto, afirma que conversou educadamente com o morador sobre a prestação de contas do condomínio, mas em 21 de julho de 2011 o réu repetiu tais atitudes.Informa ainda que, diante desses acontecimentos, registrou um boletim de ocorrência.

INDENIZAÇÃO – Por fim, o síndico pediu a condenação do morador ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos, em um valor equivalente a 60 salários mínimos.

Em contestação, o réu argumentou que realmente aconteceram tais discussões, porém foram recíprocas e iniciadas pelo síndico. Alegou ainda o morador que não falou da maneira mencionada e, por isso, pediu pela improcedência da ação.

De acordo com os autos, o juiz observou que o autor manteve em seu depoimento todas as alegações contra o réu. Além disso, as testemunhas ouvidas confirmaram as discussões entre as partes e as agressões verbais e ameaças feitas exclusivamente pelo réu.

O magistrado conclui que foi inequívoca a responsabilidade do réu, sendo certo que as ofensas e ameaças por esse proferidas em desfavor do autor, confirmadas durante a instrução, não ensejaram um mero dissabor, sendo certo que causaram a esse dano moral. Processo nº 0044233-89.2011.8.12.0001.

A importância do diálogo e o direito ao contraditório

Ao síndico é dada, pela legislação brasileira, várias atribuições e poderes dentro do condomínio, dentre eles o de aplicar multas e sanções aos condôminos que infringirem regras internas. Contudo,essa prerrogativa não pode abrir caminho para um comportamento arbitrário ou mesmo tirano por parte do administrador


O bom síndico tem como principal característica ser um bom líder e exercitar a qualidade da conciliação. Constantemente, é necessário conciliar o interesse do coletivo com as possibilidades financeiras do condomínio, conciliar o entendimento entre administração e moradores e, até mesmo, conciliar a convivência entre condôminos.

O síndico que toma decisões verticalmente, impondo suas vontades, negando-se a consultar a opinião coletiva é o famoso síndico autoritário que administra sem razoabilidade e, hoje em dia, não existe espaço para esse tipo de perfil. Na mediação de conflitos há de se ter, em primeiro lugar, paciência e disposição para o diálogo.

BOM SENSO – A Justiça brasileira é conhecida por sua morosidade e grande parte disso se deve a inúmeros processos que são levados aos tribunais quando na realidade poderiam facilmente ser resolvidos em um acordo informal, contando com o bom senso das partes. O entendimento amigável, nas questões do condomínio, quase sempre é o caminho mais recomendado a fim de economizar tempo, dinheiro e energia.

Contudo, sabemos que há momentos em que a conversa não resolve e é preciso apelar para medidas drásticas e recorrer à Justiça. Nesse caso, o direito ao contraditório deve sempre ser respeitado. Ao se acusar um indivíduo de algo, deve-se dar a ele a oportunidade de argumentar em seu favor, se justificar e defender sua inocência. Muitos conflitos chegam à Justiça sem que aconteça isso, com uma das partes se negando a ouvir a outra.

Exemplo disso, recentemente, em 2017, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) freou a intenção de síndica que pretendia condenar sumariamente moradora de prédio. A 4ª Câmara Civil do TJSC, em agravo de instrumento, concedeu antecipação de tutela para evitar que moradora de um residencial seja cobrada por avaria em um dos elevadores do condomínio, supostamente provocada por três jovens que alugaram seu imóvel, proibindo também o condomínio de inscrever a mesma em cadastros de devedores negativados pela suposta dívida.

CONTRADITÓRIO – “A moradora foi considerada responsável pelos danos ao elevador sem sequer ser-lhe oportunizado defender-se e produzir as provas necessárias à demonstração da improcedência da acusação”, anotou o desembargador relator da matéria. Segundo o magistrado, o direito da síndica de aplicar sanções e cobrar multas entre os moradores, previsto em convenção, não lhe outorga autotutela para condenar sumariamente qualquer um dos condôminos sem que se estabeleça um processo administrativo formal, com direito ao contraditório.

Os autos dão conta que imagens captadas por câmeras de segurança não comprovam que foram os inquilinos da mulher os responsáveis pelos problemas no elevador. Aliás, um boleto de R$ 19 mil foi gerado e encaminhado para a proprietária a título de cobrança do prejuízo. Com esses recursos, sustentou a moradora, seria possível adquirir um equipamento novo para o prédio.